O modelo de assistência ao parto no Brasil é predominantemente tecnocrático, especialmente nas instituições de ensino, local de formação de profissionais da saúde(1). No entanto, com o movimento pela humanização do parto e nascimento(2), outros tipos de experiências vêm ganhando visibilidade e, com ele, o conceito de parto ativo(3). O termo humanização vem historicamente sendo expresso como uma mudança no entendimento do parto como uma experiência humana, e para quem o acompanha um direcionamento de como agir diante o sofrimento de uma mulher. Para tanto, desde o inicio do século XX a medicina tem tentado abreviar este sofrimento, por meio da hospitalização do parto e o uso de intervenções, na maioria das vezes iatrogênicas – fórceps, episiotomia e cesareana. A crítica a este modelo tecnocrático e intervencionista se desenvolve com o surgimento de diversos movimentos pelo resgate do parto como um evento natural, consciente, sem violência e controlado pela mulher.
Assim o parto passa de castigo e sofrimento a evento que respeita e envolve experiências pessoais, sexuais e familiares, tais como as dores, a presença de gemidos, secreções, emoções intensas e contato corporal(4). Para que um parto seguro, fisiológico e prazeroso ocorra alguns fatores devem ser oferecidos ou minimizados.
O excesso de estímulos durante um trabalho de parto pode torná-lo demorado, doloroso e cansativo, além de favorecer a utilização de intervenções medicamentosas. A presença de luzes, conversas desnecessárias e pessoas observando seu comportamento, podem gerar um comportamento de estresse e medo que levam a intensificação da sensação dolorosa, além da liberação de adrenalina e conseqüente bloqueio do hormônio ocitocina – responsável pela ocorrência das contrações durante o trabalho de parto(6). A mulher deve sentir-se segura e confortável, seja qual for o local de escolha para a ocorrência do parto(5). Nesta perspectiva, cabe a enfermeira obstetra identificar a necessidade individual de cada gestante, seja no hospital ou domicilio, permitindo, apoiando e favorecendo um parto seguro, ativo, natural e consciente. Desta maneira, apresento um relato de experiência sobre como as concepções de parto ativo e humanizado e a prática de uma enfermeira obstetra, em um hospital de ensino e em domicílio vem se desenvolvendo. Atuo como enfermeira obstetra em maternidade situada em Curitiba, capital de um dos Estados da Região Sul do Brasil. Trata-se de um hospital-escola público; nele, a assistência aos cerca de 300 partos/mês é realizada por estudantes, residentes de medicina, médicos obstetras e, também por enfermeiras obstetras. O modelo de assistência ainda é centrado na figura do profissional médico e as mulheres têm pouca ou nenhum poder decisório sobre seu corpo e sobre os procedimentos realizados. No Brasil, as enfermeiras possuem dificuldades de atuação na área obstétrica, principalmente na assistência ao parto hospitalar(7). Não é diferente onde atuo. Entretanto, como muitas enfermeiras, sinto-me comprometida com uma nova forma de atender as mulheres no momento do parto. Há quatro anos tenho assistido partos num modelo de assistência que valoriza o parto fisiológico. Neste modelo as mulheres são encorajadas e apoiadas a permanecerem ativas durante seu trabalho de parto, adotando posições verticais, movimentando seus corpos e seguindo seus instintos. Seguem-se ainda as recomendações da Organização Mundial de Saúde para o parto(5), tais como ingesta de liquidos por via oral, presença do acompanhante e uso racional das intervenções. A maioria dos profissionais, médicos e de enfermagem, desconhecem este modelo de assistência, ou acostumados ao modelo tradicional relutam em praticar este novo olhar sob o nascimento. Minha outra experiência como enfermeira obstetra aconteceu há um ano quando iniciei a prática do parto domiciliar em Curitiba. O convite para adentrar neste novo universo partiu da solicitação de gestantes ávidas por vivenciar de maneira natural, ativa e intima o nascimento de seus filhos. Em um ano acompanhei 9 partos domiciliares – para mim quebra de paradigmas e experiências renovadoras. Corpos femininos carregados de conflitos, emoções e prazeres. Em cada parto vivenciei o processo de parir e testemunhei o feminino, o instintivo, o sexual e o renascedor. O domicílio propicia uma espécie de ninho acolhedor e seguro, preparado pela própria mulher para receber seu filhote – é dona do seu ambiente, somos apenas visitas convidadas a assistir o nascimento de uma criança e o renascimento de uma mulher, de uma família. Ao testemunhar partos naturais e instintivos, no hospital ou em casa, percebo como a natureza é soberana e interferir neste processo, somente com muita sensibilidade, delicadeza e sabedoria.
DENIPOTE, AGM
REFERENCIAS:
1. Davis-Floyd RE. The Technocratic Body: American childbirth as cultural expression. Social Science and Medicine. V. 38, no. 8, p.1125-1140, 1994.
2. Ministério da Saúde. Parto, aborto e puerpério. Assistência humanizada à mulher. Brasília (DF); 2001.
3. Balaskas J. Parto Ativo – Guia Prático para o Parto Natural. Ed. Ground. 1996. São Paulo.
4. Diniz CSG. Humanização da assistência ao parto no Brasil: Os muitos sentidos de um movimento. Ciência & Saúde Coletiva 2005, 10(3): 627-637.
5. Organização Mundial de Saúde (OMS). Maternidade segura: assistência
ao parto normal – um guia prático. Genebra(SW); 1996, p.12.
6. Odent Michael. A Cientificação do Amor. Florianópolis: Saint Germain, 2002. 142p.
7. Merighi Miriam Aparecida Barbosa, Yoshizato Elizabete. Seguimento das enfermeiras obstétricas egressas dos cursos de habilitação e especialização em enfermagem obstétrica da Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo. Rev. Latino-Am. Enfermagem [serial on the Internet]. 2002 July; 10(4): 493-501.